As questões marcadas com * foram sugeridas pelo Porco Espinho ou pela Kika.
A transcrição da entrevista contou com a colaboração de uma jovem com necessidades educativas especiais, que se encontra em fase de transição para formação profissional.
1-Por que é que tu estás numa cadeira de rodas?*
Porco-Espinho (PE): Porque tenho uma doença que me impede de andar muito e de estar em pé (Miastenia Congénita).
Kika (K): Porque me deu uma febre grande quando tinha 9 meses, fizeram uma ressonância e descobriram que ía ficar numa cadeira de rodas. Tive Paralisia Cerebral.
2-Com que idade se descobriu a doença?*
PE: Aos 6 anos. Pensava que era tipo uma constipação, que se curava. Só ao longo da vida me apercebi que não era bem assim.
K: 9 meses
3-Com que idade percebeste que eras diferente?
PE: Apercebi-me aos 5 anos, quando vi que os outros conseguiam andar a mais velocidade e eu ficava bastante para trás numa corrida.
K: Quando tinha 4 anos eu não pensava que andava numa cadeira de rodas, fazia tudo normal. Por volta dos 9 anos é que me conformei que tinha que estar ali mesmo que não quisesse.
4- Como é estar na tua situação?*
PE: É um bocado triste. Quando se vê meninos a correr dá vontade de correr também mas não se consegue.
K: Um pouco difícil… diferente. Uma coisa de revolta. Estarem a insultar e não podermos fazer nada, estamos presos. É como cola, estamos ali e nunca mais saímos.
5-Falar com uma pessoa com o mesmo problema pode ajudar?
PE: Pode porque assim desabafamos e dizemos o que custa no dia-a-dia as coisas que fazemos.
K: Sim porque eu explico as minhas diferenças e essa pessoa também. Aí dá para nos unirmos mais para nos ajudarmos uns aos outros.
6-Em que é que a psicóloga te ajuda?*
PE: Ajuda-me a desabafar as coisas que eu sinto, ajuda-me nos modos que eu tenho de estar na aula e a lidar com a doença.
K: Ajuda-me a falar dos problemas, sei que essa pessoa não vai dizer nada.
7-Como achas que os colegas, professores e funcionários te vêem?
PE: Acho que a maioria, funcionários e professores, não sabem que eu tenho uma doença. Vêem-me numa cadeira de rodas mas acho que não sabem porque tanto estou na cadeira, como em pé.
K: Os funcionários são bonzinhos mas vêem-me de maneira diferente. Os professores vêem-me de maneira muito fixe! Tratam-me melhor que alguns colegas. Alguns colegas tratam bem, outros tratam mal. São frios, maus, arrogantes. Falam comigo como se estivessem a falar com quem não conhecem. É um pouco de desprezo.
8-As pessoas tratam-te bem?*
PE: Em geral tratam bem porque já me conhecem desde bebé e gostam muito de mim e sabem que tenho uma doença que me limita certas coisas. Na escola tratam-me pior porque nunca lidaram com uma pessoa com esta doença e são insensíveis. Quando estou triste ainda provocam mais.
K: Depende da pessoa. Uma colega que eu fale mais, ela trata-me bem. Se for um colega, ele trata-me mais mal. Um familiar trata-me melhor do que um colega. Lá fora tratam-me bem, às vezes com pena, que é o que eu não gosto.
9-O que gostavas de fazer ou dizer às outras pessoas que te fazem mal?*
PE: Gostaria que pelo menos um dia eles tivessem a doença que eu tenho e assim eles iriam perceber como é difícil.
K: Tanta coisa! Dizer… se calhar não tinha coragem, tinha medo da reacção. Ía atrás deles e não sei o que fazia na altura. Se calhar vingava-me…
10-Como é que te sentes nestas situações?
PE: Triste, com pena de não me proteger, sinto-me irritado.
K: Triste, sem reacção, confusa, tanta coisa, vontade de sair daqui e sei lá… não sei o que faço à pessoa… E também revoltada.
11-O que é mais difícil para ti?
PE: Não poder brincar a certos jogos, não poder acompanhar os meus colegas sem a cadeira, limitar-me só com coisas que posso fazer e estar sempre a repetir.
K: Ir apanhar os objectos ao chão. Por exemplo, as chaves caem e não sei como faço, abaixo-me toda. Outra coisa mais difícil é ver os outros fazerem exercícios que eu não consigo mas se calhar também faço coisas melhor que eles não conseguem.
12-O que gostas mais de fazer?*
PE: Gosto de jogar na consola, ver TV, de passear e mais nada.
K: Gosto de fazer desporto e de estar a estudar e não penso noutras coisas. Faço natação e às vezes convidam-me para ensinar os outros e para competições. Também faço Bóccia.
13-Gostarias de sentir pelo menos um dia que esta tudo bem contigo?*
PE: Gostaria muito porque podia brincar com os meus amigos as brincadeiras que eles brincam, não ter de estar sempre com a cadeira e conseguir correr.
K: Sim. Quando estou na água parece que consigo fazer tudo e que não preciso de ajuda de ninguém mas, no fundo, preciso. Fazia o que se calhar nunca tinha feito na vida… jogar à bola, andar…
14-Que dificuldades tens no teu dia-a-dia?
PE: Acompanhar os professores quando mudam para o piso de cima, ir buscar o meu tabuleiro na cantina, quando não tenho ninguém para empurrar a cadeira e ter que fazer muita força.
K: Fazer coisas sem pedir ajuda. Tento sempre não pedir ajuda. O que eu sinto é revolta… Apanhar coisas, subir degraus na escola. Estou sempre a perguntar “Porquê eu?”.
15-Há pouco tempo andaste de autocarro pela primeira vez. Como foi?
PE: Senti-me feliz porque nunca tinha experimentado e pensava que não conseguiria.
15.1-O que foi mais difícil?
PE: Descer do autocarro porque os degraus eram muito grandes e não estavam adequados a pessoas com problemas.
15.2-Como seria para quem não pode sair da cadeira?
PE: Bastante difícil porque para subir tinham que ajudar a sair da cadeira e pôr a cadeira dentro do autocarro e para sair o mesmo.
15.3-Contaste-me que foi difícil com as travagens…
PE: Senti-me quase a cair porque não consegui equilibrar-me.
15.4-Como reagiram as outras pessoas?
PE: Olhavam para mim com uma expressão na cara que não estavam a perceber o que acontecia porque eu estava na cadeira e levantava-me e segurava-me.
16-Quais são as tuas maiores qualidades?
PE: Qualidades? Bons amigos, uma boa família que me ajuda nos tempos difíceis, uma doutora que se preocupa comigo. Sou simpático, ajudo os amigos quando é preciso, faço-os rir, animo-os nos tempos difíceis, trato bem a minha família, sou bom para eles e eles para mim.
K: Ter muita paciência, aguentar muita coisa com os meus colegas. Ajudar os outros. Sou boa para os outros e não sou boa para mim própria.
17-Quais são os teus defeitos?
PE: Irrito-me com muita facilidade. Por exemplo, estou com a minha mãe no trânsito e irrito-me. E sou teimoso.
K: Teimosa, quero fazer tudo como eu quero e à minha maneira!
18-O que mudavas para que a tua vida fosse melhor, qual é o teu sonho?
PE: Mudava a doença.
K: Mudava as minhas pernas.
19- Estás a experimentar um tratamento novo. Como tem sido?
PE: No início estava com medo de ficar sem andar e de não poder ir às aulas, porque há um ano deixei completamente de andar quando parei de tomar cortisona. Mas logo no primeiro dia comecei a ter muitas melhoras. Comecei a andar mais rápido, não a correr, consegui subir escadas com as duas pernas (alternadamente), com mais força.
19.1- Com os resultados que tens tido com o novo tratamento, quais são as tuas novas expectativas?
PE: Andar de bicicleta, andar mais, passeios, jogar jogos que nunca joguei com os amigos ou com os filhos da namorada do meu pai.
20-Como te imaginas daqui a 10 anos?
PE: Com 20 anos! Melhor, cheio de amigos, com um PC! Com trabalho, com uma casa. Quer, dizer… aos 20 anos?!
K: Sei lá! Melhor! Igual de cara mas maior. Com mais juízo e compreendendo melhor as coisas. Vou estar na universidade e a tirar um curso de desporto e fazer competições pelo mundo.
21-Que mensagem gostavas de deixar às pessoas?
PE: Não sejam maus para os que têm problemas porque isso é golpe baixo porque eles não se podem defender e quem sabe eles não virão a melhorar e a vingar-se.
K: Nós podemos ter as dificuldades que temos mas não precisamos que as pessoas nos olhem com pena ou que sejam brutos.